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segunda-feira, 27 de julho de 2009

É antigo, mas tá valendo...

Filosofia e Sistemas de Avaliação: Por uma Visão Crítica da Nova Proposta (originalmente escrito para a página do colégio BJ Recife)


Filosofia ou Filosofar? Aquele que se dedica, seriamente, ao ensino de filosofia no Ensino Médio brasileiro enfrenta questões que são fundamentais: Por que filosofia no Currículo Escolar? Como motivar interesse por Filosofia? Ensinamos filosofia ou a filosofar? E, mais recentemente, como avaliar a aprendizagem do aluno? Acreditamos ser esta última uma das questões que requer mais atenção. Antes de debruçarmo-nos sobre ela, devemos considerar o que de fato lecionamos. Para tal, traremos Kant à discussão:

(...) nunca se realizou uma obra filosófica que fosse duradoura em todas as suas partes. Por isso não se pode em absoluto aprender filosofia, porque ela ainda não existe. (KANT, 1983. p. 407)

Este debate tem uma longa história. De fato, Kant é citado inúmeras vezes por aqueles que defendem a filosofia como algo aberto, inacabado. Assim, a Filosofia não seria objeto passível de cortes didáticos, cuja finalidade seria torná-la disciplina. Entendemos este termo sob a perspectiva científica: uma disciplina é um conhecimento cujas possibilidades já foram exploradas em sua totalidade em suas bases. O exemplo clássico deste conceito é a geometria plana, disciplina parte da matemática, cujas considerações e demonstrações baseadas em seus axiomas chegaram a um limite. Aos que consideram a filosofia ‘indisciplinável’, cabe convidar aos alunos a somarem-se àqueles que praticam a arte de filosofar. Isto significa exercitar o espírito crítico através da razão, percorrendo as inúmeras trilhas já traçadas e – futuramente, para os mais dedicados – criar seus próprios caminhos. Assim:

Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir seus próprios caminhos universais em certas tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os. (Idem)

Não obstante, há aqueles que defendem a indissociabilidade defilosofia e filosofar. Hegel nos afirmará que é natural à razão questionar sobre o objeto aprendido; compreende-se filosofia, filosofando. Gallo & Kohan vêem a questão de forma mais dialética:

(...) A própria prática da Filosofia leva consigo seu produto e não é possível fazer filosofia sem filosofar, nem filosofar sem fazer filosofia (...) porque filosofia não é um sistema acabado nem o filosofar apenas uma investigação dos princípios universais propostos pelos filósofos. (GALLO & KOHAN, 2000. p. 184)

Mais do que uma discussão, vemos uma conformidade em ambas as idéias expostas. Não há filosofia sem o seu verbo, assim como não há um desenho sem o ato de desenhar. A Filosofia sem o exercício crítico torna-se uma coleção narrativa de sistemas. Filosofar sem filosofia é um exercício que, na melhor das opiniões, é fútil e confuso. Assim, acreditamos que o mais justo é ensinar o aluno a ser um outro, não um mesmo que algum modelo qualquer: é ensiná-lo a ser, acima de tudo,ele. Educar para oferecer condições do surgimento espontâneo de um pensamento autônomo. Este pensamento, por sua natureza crítica, não se curvará a idéias infundadas ou a coisificação1. É uma libertação, no sentido nietzscheano da palavra: liberar-se das idéias pré-concebidas, dos medos e da preguiça de ‘pensar’. Acreditamos que a Filosofia tem este poder e que deve empunhá-lo como bandeira muito mais do que uma sina.


A Avaliação de Filosofia. Este será o primeiro ano em que Filosofia e Sociologia entrarão no quadro avaliativo para admissão de novos alunos nos quadros discentes da Universidade de Pernambuco. O projeto do PSS (Processo Seletivo Seriado) inaugurará trazendo esta novidade, além do próprio fato de que será uma avaliação mais prolongada do que o dito ‘vestibular tradicional’, uma vez que será realizado ao longo de todo o ensino médio. Justamente pelo fato de ser ‘novo’, não sabemos, com efeito, o que esperar deste processo. O questionamento trazido no começo deste breve artigo – como avaliar o aprendizado do aluno de filosofia – torna-se, agora, mister. Em entrevista dada ao Jornal do Commercio, o responsável pelo vestibular seriado, professor Darlan Moutinho, afirma que a inclusão de Filosofia e Sociologia deve-se à obrigação de formação de cidadãos:

Apesar de faltarem alguns ajustes para a nova metodologia de avaliação, o professor Darlan Moutinho, responsável pelo exame seriado, adianta que a prova terá 60 questões e, a partir do 2º e 3º anos, abordarão questões de sociologia e filosofia. "Nós temos obrigação de formar o cidadão", acrescentou. (Jornal do Commércio, 12/12/2007)

Como já discutido neste mesmo artigo, acreditamos que a inclusão de filosofia e sociologia de volta à grade curricular das instituições de ensino fundamental e médio tem um valor inestimável para formação de um cidadão completo. Entretanto, cabe aqui uma preocupação bastante pertinente: que tipo de avaliação será feita deste conhecimento? Se concordarmos que filosofia e filosofar caminham lado a lado, o processo de avaliação deve levar em consideração isto. Se não for desta forma, o que estará sendo avaliado? Estas perguntas inquietam bastante os professores de filosofia. E cabe, ainda, uma crítica que tem igual peso de advertência: há que se velar pela filosofia, para que não se torne mais uma obrigação do rol de tantas outras que já cobramos de nossos alunos. Porque, caso isto aconteça, estaremos sufocando-a com suas próprias mãos: não podemos obrigar o cidadão a ser livre. Ele simplesmente o é.
O método de avaliação de filosofia, ao nosso ver, não deveria ser de forma alguma instantâneo. O aluno que se vir obrigado a escolher uma alternativa, em um elenco proposto e fechado em si, não estará exercendo seu potencial crítico na escolha. Estará aplicando fórmulas, como as vistas em matemática (sem desmerecê-las de forma alguma), o que é incompatível com a própria proposta do ensino de filosofia. Seria, assim, eficiente porém pouco eficaz. Eficiente porque cumpriria a meta de classificar os candidatos quanto ao seu nível de acúmulo de conhecimento; pouco eficaz porque não avaliaria as competências pertinentes à filosofia. Um sistema de avaliação bem mais coerente seria associar Filosofia à Redação, uma vez que é própria desta última a análise da argumentação. Desta forma, haveria uma maior liberdade para a exposição das idéias e uma construção mais fluente de críticas.

(1) Reificação: Conceito pensado por Karl Marx. Tornar-se aquilo que se consome ou que se usa, passar a ser um elemento da sociedade, não um indivíduo ativo da mesma.

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